Caçada na Namíbia.

28-11-2014 14:27

Estou novamente de regresso a Omaruru na Namíbia e à HuntingFarm de Immenhof. Desta vez viajei de carro desde Angola, foram 650 Kms à minha boa e velha maneira de solitário. Pela primeira vez também estou a passar as minhas “armas angolanas” por uma fronteira terrestre, o que decorreu com toda a celeridade e sem qualquer problema, neste aspecto a Namíbia é um país liberal que pode dar lições de simplicidade e controlo a muitos dos chamados países desenvolvidos, nos quais as armas, e a sua posse, mesmo que legais, são um autêntico tabu social que é logo envolto numa novela e showoff que muito me irritam e tiram do sério. Do lado de Angola o processo também se resumiu à apresentação da minha licença angolana de uso e porte de arma de caça, respectivos livretes das armas, e ao preenchimento de uma declaração de saída das armas e exibição de um convite para ir caçar a Immenhof, esta declaração tem depois de ser entregue às Alfândegas angolanas quando reentramos no país.

A Namíbia é também um belo país para viajar de carro, vale a pena trocar pelo avião, para quem possa e tenha tempo que é invariavelmente o factor mais precioso da nossa vida de hoje. Desde miúdo que sempre ouvi dizer que o tempo em África assume outra dimensão, os últimos anos tem-me dado o privilégio de o poder confirmar em tudo.E é realmente outra coisa quando podemos levar o nosso próprio carro até uma destas HuntingFarms. Desta forma vou poder recolher e trazer comigo no regresso a Angola os troféus de crânio e cornos de Cudo, Orix, Springbok (cabra de leque) e RedHartbeest (damalisco) que aqui abati na jornada anterior. Do programa de abate constam desta vez um Eland, Zebra, Impala e Gnu. Mas desta vez só posso ficar três dias a caçar e não quatro como fiz na primeira vez.

A fadiga da viagem fica logo para segundo plano quando sou calorosamente recebido pelo Freddy (proprietário) e respectiva família. Isto é de facto boa gente e quando um caçador é recebido por outros caçadores num ambiente de grande cumplicidade tudo é excelente e único. Pergunto logo onde é que andam o Casimiro, o Jordan e o Joosie, a minha equipa de caça, os quais não tardam a aparecer e dar-me aquele abraço. São 11:30h da manhã, pelo que é só tirar as coisas do carro para o quarto, trocar de roupa, preparar as minhas armas e munições, almoçar e toca a andar para o mato que a tarde é toda para aproveitar.

Os terrenos de Immenhof continuam belos como sempre, e os primeiros animais não tardam a aparecer. Olho consolado e deliciado para tudo à minha volta, este é realmente o meu espaço e ambiente de eleição. A temperatura está muito mais agradável que na última jornada onde apanhei um vento gelado que não esperava de todo. Volto a caçar com as minhas adoradas CZ 30-06 de sempre e a .22 Hornet, já que desta vez também pretendo fazer meia dúzia de tiros a “caça menor” com este fantástico pequeno calibre. Trago também a Beretta calibre 12 sobreposta que tem o percutor do cano de baixo a falhar algumas vezes o primeiro tiro, para ser vista adequadamente por um dos “gunsmith” locais, em Angola ainda é muito difícil encontrar alguém habilitado para realizar estas reparações.

 

Começamos a volta à procura do Eland na zona de montanha. Vamos já com o objectivo inconfessado de tentar encontrar uma pequena manada com sete animais, todos machos com razoáveis troféus, ainda que os troféus, no meu caso pessoal, pouco ou nada me interessem. Nisto sou bastante diferente da maior parte dos caçadores que visitam Immenhof, … à e também só caço com miras abertas. Muito me ri com o Casimiro a primeira vez que ele me perguntou algo intrigado porque raio não caço com alça telescópica :

- Sire, you are the only client with us that hunts without a scope in the gun!

- Don´t worry Casimiro, I will keep this way. It gives a lot more fun …! Let’s go, in the bush I will explain to you.

E enquanto percorríamos a picada de carro lá lhe fui dizendo que na minha concepção de caça os tiros a grande distância não me dizem nada por aí além. Acho-os até pouco éticos porque dão menos hipóteses de defesa e fuga aos animais, e a caça deve constituir um duelo leale comedido homem/presa, no qual sem dúvida a tecnologia deve obrigatoriamente ser limitada, e os animais aperceberem-se também da nossa aproximação. Por outro lado os erros naturais de pontaria ao atirar com miras abertas a partir de certas distâncias, conferem outro sabor aos lances pela imprevisibilidade e dificuldades acrescidas. A forma de os evitar e não deixar animais feridos agonizantes : chegar o mais perto possível para fazer o tiro sem mácula. E é aqui que entra precisamente a parte do “Itgives a lot more fun”,aaproximação aos antílopes como a qualquer outro animal selvagem, reveste-se de muita estratégia e persistência. Os animais vão pôr-se ao largo na primeira oportunidade que têm, é preciso tentar várias vezes para lá chegar mais perto com êxito e assim nos vamos sempre medindo com eles. Logo, a coisa tem muito mais piada e sal. Esta é também a forma de avaliar e vermos a sério o trabalho e capacidade dos pisteiros que nos acompanham o que é algo fabuloso de observar e seguir.

E estas coisas não tem nada que ver com o actual espírito sniper que se está a instalar no meio da caça grossa internacional, como sendo uma hipotética mais valia e reconhecimento para o valor individual do caçador. Certamente que o será apenas e só para alguns egos exacerbados echeios de complexos…!

Mas, voltando à nossa volta na busca do Eland, após muito acima/abaixo pelas picadas da montanha, vimos um grupo de oito a grande distância, que após chegarmos mais perto constatámos serem machos jovens. A coisa acabou logo por ali, ficaram em paz que fomos logo para outra zona à procura de gente mais capaz e encorpada para os meus objectivos. Mas os elands em Immenohf tem bastante que se lhes diga, são os antílopes mais esquivos de todos. Nunca param quietos o suficiente para se lhes fazer uma aproximação, sempre desconfiados ao mínimo ruído e põem-se logo em marcha. Todo o dia as nossas aproximações fracassaram embora a dada altura tenhamos visto um bom macho que esteve parado alguns minutos a mais de duzentos metros. Apontei com todas as reservas que um tiro de miras abertas a esta distância nos pode deixar, mas esta foi mesmo a única oportunidade e, inevitavelmente, o projéctil não lhe bateu, seguindo-se uma cavalgada imparável de fuga até o perdermos completamente de vista. Confesso que só lhe atirei mesmo por falta de outras oportunidades e a tarde já estava prestes a terminar dando início a mais uma noite. Talvez em cem tiros feitos nestas condições se consiga, com um pouco de sorte, ter sucesso com quatro ou cinco, não foi o meu caso naquele final de tarde.

No dia seguinte havia que insistir. Começamos às 6:30h da manhã, o dia era para aproveitar ao máximo. Fomos para outra zona da propriedade onde dias antes tinha sido avistada uma pequena manada de elandes, só que fazendo jus a essa característica de que não param quietos muito tempo no mesmo local, não conseguimos, novamente, encontrá-los.

Mas numa dessas voltas acabamos por avistar a razoáveldistânciaum grupo de 8 zebras de montanha (Hartman Zebra) que ao sentirem o carro fugiram. O Casimiro fez logo parar o carro para voltarmos atrás e meter por outra picada que ele achava nos poderia dar oportunidade de as encontrar mais lá à frente. E não se enganou, conseguimos mesmo passar à frente delas, correram menos do que o Casimiro julgava, e após longos minutos de observação com os binóculos, o Casimiro fez-me sinal que tínhamos de entrar na mata. Era fácil perceber que uma boa caminhada nos aguardava, mas é disto que eu gosto mesmo nesta jornadas – “theoldfashionwaybyfoot”, que no final do dia nos deixa com aquela agradável sensação de cansaço levada ao extremo pelas caminhadas nos trilhos de fuga da bicharada.

Mas afinal a estratégia do Casimiro não era fazermos uma aproximação como é habitual. Sempre vigiando o grupo que entretanto voltou a fazer pausas na marcha, sinal de que começavam a tranquilizar-se e, com o vento a ajudar, não se tinham apercebido que já tínhamos passado à sua frente ainda que longe. No meio daquela savana arbustiva a perder de vista e com o terreno levemente ondulado o Casimiro tirou o azimute à direcção que as zebras tomavam, e seleccionou um cabeço mais alto onde nos colocámos à espera da aproximação delas para lhe fazer um tiro. Resultou em pleno, tive de lhe tirar o chapéu no fim.

Ainda esperámos quase uma hora, já que elas também vinham avançando “a pastar”, comendo sem pressas o capim e sem imaginarem de todo o que as esperava. Quando estavam a pouco mais de cem metros apontei à espádua do macho maior e o tiro saiu perfeito. Atingida em cheio pelo projéctil NormaOrix 30-06 de 200 grains, soltou um aparatoso pinote e larga a correr, as outras também a seguem, até que começa a ficar para trás. Começa a tossir logo que pára já em visíveis dificuldades, espirra algum sangue, o seu fim anuncia-se rápido. Desfalece finalmente para a morte, ainda assim correu perto de 500 metros tocada de forma tão séria, impressionante a sua resistência. Quando assim é temos de lhes render, bem cá no íntimo, a homenagem e reconhecimento que merecem pela forma como lutam até ao fim. E quando chegamos ao pé dela é que verificamos ser afinal uma fêmea de grande porte, vista à distância ninguém o diria.

Chamámos o carro para a carregar, bebemos alguma água e vamos directos para a casa da Farm para a deixar na desmancha e aproveitamos para almoçar já. Temos de voltar a procurar o Eland e esta “espera” com sucesso deu vontade ao Casimiro para irmos também tentar a sorte numa espera num “Waterhole” onde ele há dias viu a beber um grupo de 4 machos eland, acha que eles hoje podem lá voltar novamente. Mas a opção não viria a revelar-se boa, toda a tarde não apareceu nada e fiquei com a sensação que poderíamos ter aproveitado melhor essas longas horas se continuássemos a procurar ao longo das picadas. Mas não se pode acertar sempre e o Casimiro também não pode acertar sempre, caçar é assim mesmo e, repito, com a zebra foi de se lhe tirar o chapéu.

Passava pouco das 17:00h quando demos início ao regresso para casa e estaríamos a uns dois quilómetros de lá quando avistámos um macho de impala pastando sereno pelo capim de final

da tarde. Saltámos do carro,a aproximação decorreu sem problemas e o tiro também, que foi de coluna devido ao ângulo em que o animal se posicionou, sempre de cabeça baixa e a ¾ de frente. Os cornos eram razoáveis.

O dia foi satisfatório após o nulo de véspera, no espaço de algumas horas consegui concretizar os meus objectivos em 50%, mas o tempo aperta. Só tenho mais dia e meio de caça e os Eland bem fazem pela vida, a tarefa afigura-se assaz mais difícil do que todos julgávamos de início, e nas últimas semanas ninguém andou atrás de Elands, porque nenhum dos clientes solicitou o abate de nenhum. É algo estranho andarem tão arredios, sem serem perseguidos há algumas semanas, mas é o que está a acontecer, com muita pena minha e alguma justificada frustração do Casemiro, Jordan e Joosie que estão sempre a dar o máximo nas nossas voltas pela savana.

Ao jantar mais uma animada conversa de caça com o Freddy que também me dá a notícia de que o Werner, que se encontra no Caprivi a acompanhar um cliente para abater um búfalo e um elefante, e já conseguiu o elefante. O Freddy aproveita logo para me perguntar quando é que lá vou abater também um elefante. Digo-lhe que isso ainda não faz parte dos meus planos, um búfalo do Cabo sem dúvida, mas o elefante ainda não me tira o sono e nem o considero uma prioridade no contexto actual de caça e conservação, para já não falar do seu custo …!Búfalos não me parece, mas elefantes, e mesmo leões, acho que é melhor continuarem mais algum tempo sob protecção, além de que continua a verificar-se um irónico paradoxo nalguns santuários de vida selvagem de África em que se verifica excesso populacional destes animais em paralelo com outras zonas em que se verifica a quase extinção destes magníficos e nobres animais.

Novamente às 6:30h da manhã damos início a mais uma saída. O Casemiro fala-me novamente em voltar à espera para o Eland, mas digo-lhe abertamente que prefiro voltar às picadas, estou sem qualquer fé no “waterhole”, talvez numa jornada com mais dias de caça até pudesse insistir, mas caçar de espera também nunca foi muito do meu género. A caça para mim tem obrigatoriamente de ter movimento, perseguição, estratégia, cansaço físico, imprevisibilidade, arrebatamento e uma espera não me transmite nada disto.

Hoje está mais frio, até perto das 8:00h tenho de manter o meu casaco grosso vestido com o polar por baixo. Começamos por ver alguns machos jovens de waterbuck(a quissema de Angola) e também um redhartbeest (damalisco), animal que também tem andado desaparecido das nossas voltas dos outros dias. Mas as expectativas continuam altas mesmo se estamos a entrar no “deadline” final de tempo, e nesta fase quase imponho ao Casimiro começar por uma área que sei ser de grande preferência para o gnu que ainda me falta e já começo a perder toda a esperança em encontrar o Eland.

Eram cerca das 10:00h quando finalmente demos com um grupo de 12 gnus negros. O meu “feeling” não me enganou, que bom que é verificar como estas coisas funcionam na hora da verdade. E entre eles há um excelente macho, com óptimos cornos, certamente um dos veteranos do grupo. Mas fogem muito antes de podermos parar o carro para fazer a aproximação. Voltamos a procurá-los mais à frente, numa dessas voltas vi a maior manada de orix que pude avaliar até hoje em Immenhof, eram mais de 150, excelente, estão sem dúvida, a tornar-se o antílope mais numeroso em Immenhof. 

Voltamos também a ver 12 zebras de planície (Burchel zebra), e finalmente encontramos os gnus negros, que após mais uma típica corrida de 500 metros param expectantes a ver o que fazemos. Separam-nos por aí uns 180 metros é um bocado longe mas vou obrigatoriamente tentar, dificilmente volto a ter esta oportunidade no tempo que me resta em Immenhof. Apoio a arma, controlo a respiração e quanto tenho o ponto de mira estabilizado sobre a mancha negra do gnu o tiro parte. Segue-se o impacto, ele arranca, 50 metros depois faz meia volta e pára estático.

É a confirmação que preciso, já não há dúvidas, apesar da distância, o projéctil atingiu-o e já está em dificuldade. Um dos outros gnus vem ter com ele como que para o “rebocar” de volta para o grupo, mas ele fica-se, já não aguenta seguir os outros que arrancam logo de seguida em debandada. O ferido chega-se agora a passo para uma árvore próxima, como que a procurar esconderijo, o carro já avança para ele a encurtar distância para lhe fazer o tiro de misericórdia e acabar com aquilo. Faço o remate e ao chegarmos ao pé dele verifico que o primeiro tiro lhe ficou algo baixo na espádua, 15 centímetros mais acima teria caído seco, mas claro que, mesmo assim, ficou logo em sérias dificuldades, por isso não se conseguiu mexer muito de onde estava. Confirma-se também que é um velho macho com excelente troféu, está entre os 4 melhores abatidos até hoje em Immenhof. O Joosie faz uma medição grosseira a passo desde o local do tiro e diz-me :

- Sire, at least 220 yards distance, it’s a great shot for open sigths.

Fiquei algo aliviado com a concretização deste lance, afinal ainda tenho mais três horas de caça e a manhã de amanhã, mas continuo absolutamente convencido que o eland fica para a próxima, não vale a pena pensar mais nisso para esta jornada e digo ao Casimiro :

- Ok, don’t worry anymore about the eland, I have some more hours today and the tomorrow morning. I want to do some shots with .22 Hornet to small game.

- Yes, nice. We will do it, no problem.

E até fazermos o caminho de regressoa .22 Hornet pode demonstrar todas as suas capacidades ao abater um duiker, dois coelhos e uma capota (guineafowl). Quer no duiker, quer nos coelhos o efeito do pequeno projéctil de 45 grains foi excelente. É um prazer atirar com esta pequena mas eficiente arma. Numa próxima jornada vou voltar a trazê-la para ver o seu efeito num antílope um pouco maior como o Springbok.

Ao chegar ao quarto pude encontrar já os meus troféus da anterior jornada prontos e embalados para meter logo no carro. E o Freddy também já tinha ido buscar a Beretta calibre 12 ao “gunsmith” em Omaruru e dá-me a excelente novidade que não foi preciso substituir nada na arma, está tudo bem era só necessário fazer a limpeza e a lubrificação integral dos mecanismos internos dos gatilhos e percutores e tudo voltou a funcionar sem mácula.

Mais uma excelente jornada se tinha cumprido em Immenhof. Faltou o eland, mas um gosto e satisfação especiais ficaram-me retidos e no final a caça menor relembrou-me porque nunca a devemos deixar de praticar, mas em África, esquecemo-nos dela injustamente por causa de outros “atractivos maiores”, de certeza que nas próximas jornadas vou reservar um dia para ela, é que vale mesmo a pena.